terça-feira, 29 de abril de 2008

UM CAPÍTULO DA MINHA HISTÓRIA

Na década de 70, numa banca de jornais, ouvi um cidadão pousar os olhos sobre o antigo Pasquim e dizer pouco mais alto que um sussurro, assim, entre os lábios, e cheguei até a achar que era para que eu ouvisse:
- “Ziraldo e Jaguar. Esses são jornalistas...independentes...nacionalistas mesmo...combatentes...sem compromisso para com essa ditadura” !
Como suas reflexões não mereciam atenção e nem respeito, mesmo porque não passavam de ideológicas em torno de dois circunstantes da imprensa alternativa que, por suas vezes, buscavam vantagens e não fixar idéias de patriotismo, achei que não valeria a pena polemizar. Mas, hoje, gostaria de ver “sua cara” diante da exploração da bolsa popular de parte de “seus ídolos” Ziraldo e Jaguar, que avançaram no dinheiro do povo, se dizendo vítimas do que insistem em afirmar ter sido “ditadura”. Tungaram agora um milhão cada um e vão levar, de forma vitalícia, mensalmente, um salário considerável, acima do salário de qualquer aposentado comum. Vítimas de que ? A história que tentam emplacar carece de detalhes convincentes. Mas, serve para lembrar de episódio que viví, em 1964, quando trabalhava na Rádio Farroupilha de Porto Alegre (que era para o RGS o que vem a ser a Rede Globo, hoje, para o Brasil). Sete e meia da manhã e Arthur Godoy, plantão técnico, foi ter comigo no estúdio, enquanto no ar era apresentado por Henrique Xavier o programa Alo Rio Grande. Godoy me disse que Leonel Brizola estava na portaria, cercado de gente e havia solicitado a minha presença, eu que era o plantão geral da emissora aquela hora. Em principio pensei se tratar de primeiro de abril, pois estávamos no primeiro de abril. Mas ao sair do estúdio e olhar pelo corredor, realmente constatei que “o homem” estava mesmo lá e, para lá me dirigi. Bati em seu ombro, Brizola virou para mim como que perguntando ao me ver – sem perguntar – quem eu era, me adiantei e indaguei se desejava falar comigo, pois era eu o encarregado da radio naquele horário. Brizola abriu os braços, me abraçou e me chamou de “meu amigo”. Ato contínuo, sacou do bolso uma cadernetinha de notas (aquela época não havia essas agendas eletrônicas, etc.) uma caneta e perguntou como era mesmo meu nome. Disse-lhe que me chamava Paulo Martins e ele, perspicaz, retrucou afirmando que sabia (havia me chamado de “meu amigo”, como não saber o nome de um amigo?)...mas queria,, sim, o nome completo. Bela “saída”...bela estratégia...Dei-lhe meu nome completo, ele anotou na cadernetinha, colocou-a no bolso e sentenciou:
- Vamos desmanchar essa “cadeia do Meneghetti” (era o governador do RGS que havia requisitado as emissoras para uma cadeia de radio) e atiçar a da legalidade. Tomou-me pelo braço, entrou pelo corredor e fomos para o estúdio. Interrompi o Xavier no “Alo Rio Grande” (programa de avisos para o interior) sentei-me ao microfone da direita do estúdio e Leonel Brizola no da esquerda. Eldio Macedo, hoje no Rio de Janeiro, abriu o departamento de esportes e ali determinou que fosse o gabinete de imprensa. Anunciei a Cadeia da Legalidade, o pronunciamento do deputado federal Leonel de Moura Brizola e, a partir dali, Brizola falava de improviso e lá do “gabinete de imprensa” vinham as notas datilografadas, para serem lidas. Era eu quem as lia e Brizola pedia para fazê-lo com ênfase. Estúdio lotado, caras feiras, barbudos, caras limpas, outras bonitas quando femininas, era uma espécie de “miscigenação”, uma “mistura de espécies”, um bando composto de todo tipo de gente. Brizola falava, eles aplaudiam e gritavam palavras de ordem....eu lia uma das notas...eles aplaudiam e gritavam palavras de ordem. Lá pelas dez horas da manhã, cansado, pressionado, sem entender direito o que poderia ocorrer ou para onde tudo estava sendo conduzido, e observando que dezenas de colegas locutores chegavam e pretendiam participar “daquele circo”, tentei levantar para dar lugar ao colega Elias Soares que se dispunha a continuar o trabalho até ali por mim exercido. Ao cogitar levantar da cadeira, Brizola colocou sua mão em meu ombro e disse, com energia e peremptoriamente:
- Você não sai daqui e não dê o lugar pra ninguém...anotei aqui na minha caderneta que você é o locutor oficial do Dr.João Goulart, Presidente da República. Não houve alternativa e, ali fiquei, lendo notas e mais notas, até doze horas e dez minutos quando, então, sim, Brizola levantou e me disse que eu deveria ir para a Prefeitura (Sereno Chaise era o prefeito) e lá montar o Q.G. da legalidade. E saiu, enquanto o hino da legalidade tocava. Foi então que apareceu o Lauro Haggmann, locutor titular do Repórter Esso e me disse que eu poderia ir para casa que lá na prefeitura tudo já estava montado e que eles “tocariam o barco” (sua expressão) dali pra frente. Aliviado, fui para casa, passando antes no apartamento do diretor geral da Farroupilha, Sergio Jockman, para relatar-lhe o que havia ocorrido. Daí a história tem seqüência, mas fica para outra vez, o que quero evidenciar é que, à época eu ganhava dezoito mil cruzeiros de salário para exercer as funções de locutor de estúdio – narrador de futebol – locutor de notícias – ator de novelas e locutor de programas de auditório. E, só para apresentar como titular um informativo tradicional – o Informativo Província – patrocínio do Banco da Província, recebia vinte mil cruzeiros. Era um cachê, ou seja, por fora do salário. Diferença incontestável, principalmente em relação à função simples pelo cachê, em comparação com as múltiplas funções que exercia pelo salário menor. A agência que me pagava o cachê de vinte mil cruzeiros era a McannEricson. Pois bem, depois que o “circo desabou” a agência cortou o meu cachê e eu, economicamente tubulei. E cortou por que ? Porque entendeu que eu, por mais que explicasse que havia sido praticamente seqüestrado, teria dado “muita vida, ênfase demais” nas notas que lia, sem aceitar que era minha obrigação como profissional. O cachê foi canalizado, a partir de então, para o colega Heitor Mendes. Minha “história é histórica” e poderá ser perfeitamente comprovada, já que nomes estão sendo citados e, a agência McannErickson ainda opera até hoje. Mesmo assim, não me entendi com direito de ir aos cofres públicos pedir ressarcimento, ao contrário de Ziraldo e Jaguar, “aqueles dois patriotas que certa ocasião foram elogiados por um comunista numa banca de jornal”.


(Paulo Martins)

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